Myriam Benraad, especialista em estudos sobre o Iraque e sobre o mundo árabe, associada ao Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (CERI-Sciences Po), autora do livro Iraque, a Vingança da História: da ocupação estrangeira ao Estado Islâmico (Ed. Vendémiaire).
Os atentados que causaram a morte de 129 pessoas em Paris neste 13 de novembro foram reivindicados pela organização Estado Islâmico. Por que fomos incapazes de impedir a ameaça terrorista?
Myriam Benraad – Em primeiro lugar, é preciso dizer sem hipocrisia que nós sabíamos muito bem que várias ameaças pesavam sobre a França há muito tempo. A forma como foi tratado o episódio anterior – o caso do trem Thalys – foi terrível nesse sentido. Foi preciso que civis aparecessem e ajudassem outros civis. Aquela crise colocou em evidência que o nosso governo – mas ele não é o único – não tinha nenhuma estratégia séria de luta contra o Estado Islâmico. O caso do Thalys traduzia a incapacidade de nossos políticos diante desta ameaça, e a crise do político em nossas democracias.
Também é preciso acrescentar a isso os erros que foram cometidos: o intervencionismo catastrófico no Iraque, a má gestão da crise síria e da crise iraquiana, a administração deplorável de nossas relações no Oriente Médio e com o mundo árabe… Não podemos ter políticas de luta contra o terrorismo eficazes enquanto não fizermos uma clara e honesta constatação da situação. Nossa parte de responsabilidade nesse desastre é enorme.
Conseguimos compreender a natureza da organização Estado Islâmico?
Myriam Benraad – No que diz respeito ao Estado Islâmico, há igualmente uma grande hipocrisia, pois sabemos muito bem que ele não se trata apenas de uma organização do Oriente Médio. É um fenômeno global, como mostram os ataques que se abateram sobre a França. É uma organização que quer se vingar do mundo inteiro e esta mensagem de vingança contra a “ordem mundial” toca muitas pessoas. Daí o recrutamento em larga escala que é feito pelo EI, recrutamento que também ocorre nos países ocidentais. O Estado Islâmico é a outra face do cenário sangrento da globalização.
Por que esta organização consegue prosperar?
Myriam Benraad – Se o EI é tão influente em todo o mundo – e não somente no Oriente Médio – é porque ele tem um discurso articulado, que ele difunde abundantemente na internet. É preciso compreender bem que o Estado Islâmico não é um estado religioso. A sua aparição nos é apresentada como um choque de civilizações, que colocaria em oposição o mundo muçulmano ao Ocidente judeu-cristão, mas não é este o caso. Ele é um movimento que é, ao mesmo tempo, terrorista e revolucionário. De crítica ao mundo. O comunicado emitido por eles a respeito do ataque de 13 de novembro é prova disso.
Por trás do aparato religioso que o envolve, há um discurso sobre a questão do capitalismo moderno, das desigualdades, do racismo, das discriminações em escala mundial e da crise profunda do multiculturalismo. Enquanto não tivermos coragem de dizer isso, enquanto esse movimento nos for apresentado como um movimento meramente restrito ao Oriente Médio e puramente religioso, estaremos passando ao largo da verdadeira questão.
Para você, é este discurso que explica a influência desta organização sobre uma parte de jovens?
Myriam Benraad – Vamos pegar o caso dos combatentes franceses na Síria. Que paremos de mentir para nós mesmos: eles não foram para lá porque são psicopatas. Eles foram para lá porque há uma crise da juventude na França. Eles são atraídos pelo EI porque é romântico, é aventura, é a revolução diante de condições que eles não aceitam mais. Os jovens que se tornaram radicais podem ser desempregados, pessoas em crise espiritual e que caem no islamismo radical, ou também pessoas que queriam aventura, porque se entediavam.
O resutado do abandono do político diante de tudo isso é que, na França, centenas de civis morrem agora. É terrível como constatação, mas eu não acho que a gente possa continuar a mentir para nós mesmos sobre esta questão. Não será suficiente apoiar-se no Bachar para resolver o problema. Não estamos em uma terceira guerra mundial, mas este é o objetivo que o EI persegue.
Você acredita, como Jean-Pierre Filiu, que “os terroristas querem que nós matemos os muçulmanos”, e que procuram fomentar uma guerra civil?
Myriam Benraad – Sim, são pessoas que matam, só isso. Eles começaram massacrando populações civis na Argélia sob o manto do Islã. Eles continuam a excomungar, a declarar o outro apóstata para matar. São gangues criminosas, empresários da violência, que aproveitam os pontos fracos de nossas sociedades.
O que aconteceu em Paris é prova do fato de que o EI continua a progredir sobre a derrota do pensamento e da política. O EI foi apropriado desde o seu início por especialistas e responsáveis políticos que encontraram um filão neste fenômeno, por razões políticas ou econômicas. Eles difundiram um discurso enganador sobre ele, e nós pagamos o preço por isso.