Na manhã de uma quarta-feira, 18 de novembro de 2015, mais de 10 mil mulheres pretas ocuparam as ruas da Esplanada dos Ministérios em Brasília em Marcha Contra a Violência, o Racismo e Pelo Bem Viver. No Brasil atual as mulheres negras ainda vivem um quadro bastante cruel. Mulheres negras perdem filhos, maridos, familiares, ano após ano. O Brasil tem quase 60 mil homicídios por ano, a maioria são jovens negros moradores das periferias do Brasil. Quem mais mata e quem mais morre são pretos. Mas quem aperta o gatilho todos os dias é o estado branco e racista que favorece um sistema de exclusão e desigualdade. Enquanto na universidade apenas 10% dos alunos são negros (isso depois do sistema de cotas que só avança), na cadeia 70% dos presos são pretos. Se os números não te assustam e se ainda assim você não acha que alguma coisa está errada, olhe ao seu redor. A maioria das crianças de rua é preta, a maioria das mulheres que morrem em decorrência de uma interrupção na gravidez é preta, a maioria das mulheres vítimas de violência doméstica seguida de óbito é preta, a maioria, dos trabalhadores em cargos subalternos e de serviços, é preta e provavelmente você já teve uma empregada preta. E se o branco de hoje não se sente responsável diretamente pelo passado escravocrata do Brasil, no mínimo todos nós devemos nos responsabilizar pelo o que aconteceu e buscar uma reparação histórica.
Se existe um Devir Mulher Negra ele provavelmente vai muito além que um feminismo branco. Se mulheres são afetadas diretamente pelo machismo que perpassa suas relações afetivas, de trabalho e em todos os níveis, as mulheres negras, além do machismo diário que enfrentam dentro e fora de casa, sofrem com a opressão racial. Elas são as maiores vítimas de feminicídio, vivem em condições degradantes de trabalho, passaram de mucamas e amas do Brasil colônia para arrumadeiras, cozinheiras e babás. Além de ganhar menos do que homens e mulheres brancas. Resumindo: estamos na merda! E Essa luta que se fez em Brasília com mulheres de todas as cidades do Brasil se faz todos os dias desde muito tempo atrás. Ela acontece com minha avó, aconteceu com sua mãe. Na verdade começou bem antes disso com Dandara, Anastácia e outras guerreiras negras que apesar de marcarem seu nome na história não estão nos livros didáticos. Não ouvimos sobre elas nos livros infantis, nos desenhos animados, na novela, no cinema, na televisão. Antes que a violência física mate uma mulher preta já chegou a violência simbólica. Aquela violência que destrói sua autoestima, que transforma sua visão sobre si mesma da pior forma possível. Todas essas histórias distorcidas que ouvimos sobre nós pretas, sobre nossa cor de vadia, nosso cabelo crespo ruim, nossa boca e nariz grande feio, sobre não sermos boas para casar, para amar. Talvez isso tenha nos destruído antes de tudo.
Nenhuma mulher branca, por melhor intencionada que esteja, pode entender completamente a dor de uma mulher negra. Porém isso não quer dizer que não é possível estar juntas. Apesar de não ser possível nos identificarmos totalmente com o outro, é possível ter empatia pelo outro. É possível encontrar um ponto COMUM que nos una a um Devir maior. Talvez Deleuze chame esse Devir maior de um Devir minoritário universal. O Devir das minorias? Talvez. Talvez o que possa nos unir seja essa luta maior, esse desejo por uma sociedade igualitária e democrática que está ali, em algum lugar, em alguma montanha. Na qual corremos e corremos e não alcançamos. Talvez esse Devir Maior seja simplesmente uma célula, um pontinho, uma semente que plantamos diariamente nessas micro revoluções do cotidiano. Mas talvez esse devir seja simplesmente o Devir do AMOR.