Em sua segunda edição, a DR quer falar do lugar das mulheres no meio intelectual e cultural, em particular na universidade.
Há muitas mulheres, professoras e pesquisadoras, na universidade. Talvez sejam até maioria (e, claro, branca e classe média). Um grande número delas ocupa cargos de direção e coordenação. Mas as principais referências intelectuais, os “grandes nomes” de laboratórios e grupos de pesquisa ainda são homens brancos em sua esmagadora maioria. Os espaços que homens e mulheres intelectuais possuem na mídia corporativa também são desiguais. Não sabemos sequer se vale a pena lutar por conquistar espaços de poder tão bem demarcados, mas essa assimetria certamente quer dizer alguma coisa. Talvez esconda, inclusive, outras desigualdades, que são também sociais e raciais. Precisamos ao menos falar disso.
O recém-empossado primeiro ministro canadense formou um gabinete com metade de mulheres. Perguntaram o por quê. Ele respondeu: porque é 2015. Pois é. Estamos em 2015 e mulheres ainda precisam lutar por oportunidades iguais no mercado de trabalho, na política e também no meio intelectual, onde o problema parecia estar resolvido. Não está.
Por isso precisamos dessa DR, que chega num momento de explosão das lutas de mulheres por direitos e contra todas as opressões que ainda sofrem no dia a dia – algumas mais do que outras—, as mulheres negras e indígenas certamente mais do que as brancas. Apoiamos e estamos dentro de todas essas causas. Mas, nesse número, nos dedicamos a discutir outras formas de machismo, às vezes imperceptíveis e dissimuladas. Mecanismos muito sutis estão presentes no meio cultural e universitário. Desejamos torná-los visíveis e ressaltar gestos e práticas que produzem assimetrias e configuram relações microscópicas de poder.
Convidamos, para esta edição, mulheres que desejam discutir sua relação com esses espaços de saber e de poder. E que são, também, os espaços de nossas vidas. As falas aqui reunidas provêm de diferentes lugares e expressam diferentes embates com o meio universitário. Nós mesmas, editoras, temos posições distintas na universidade – umas fora, outras dentro, outras batalhando para entrar. E como a universidade nunca será seriamente pensada se não for atravessada pelos saberes e lutas que se travam fora dela, convidamos, para a entrevista da vez, Antônia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Antônia convida a todos, principalmente as mulheres, a permanecer com a questão: “O que é que está por trás desses projetos que destroem a vida?” Um convite a pensar sobre “qual é o modelo de poder e como nós, mulheres, poderemos construir um poder de vida, um poder de acolhida, um poder de respeito aos direitos humanos, um poder, acima de tudo, que gere vida e não que gere morte”.
Investimos no que é possível fazer e pensar a partir de nossos próprios lugares. Em tempos de hierarquização de opressões e de resistências, queremos afirmar que uma prática política ainda é possível a partir de nossos modos de vida.
Como as crescentes exigências da produção intelectual afetam de modo distinto homens e mulheres? Como os critérios de avaliação privilegiam um certo tipo de produção e de performance? Que mecanismos fazem com que mulheres negras e indígenas ainda sejam excluídas na universidade? Como se sentem neste ambiente aquelas que conseguem furar o bloqueio? Que efeito isso gera em suas vidas e em suas relações? Como as mulheres têm gestado trânsitos entre a universidade e uma série de ações além de seus territórios convencionais: rodada hacker, graffite, marcha de mulheres negras, modos de ser Guarani e Marubo?
Fazer DR desde os nossos lugares e com a crença de que fluxos de desejo interrompem a cristalização das instituições. DR com desejo, portanto, e também com o riso e a autoderrisão que podem ser instrumentos da ação política, mas que têm estado em desuso.
Um devir-mulher da universidade. Um acolhimento dessa alteridade que a universidade vem abrigando lentamente. Porque 2015 já está acabando e nós queremos mais.