21 de outubro de 2018. Performance Space New York
Marília Librandi:
Ontem, tive a chance de pedir a Donna Haraway (em entrevista via skype) algumas palavras sobre o Brasil. Reproduzo abaixo questão e resposta: Sou uma professora universitária brasileira, e estamos encarando agora um momento muito difícil, com as eleições presidenciais na próxima semana. Infelizmente,o candidato que lidera as pesquisas é contra os indígenas, os negros, as mulheres, as pessoas trans, gays e etc. É um momento horrível que estamos vivendo. Como professores morando aqui nos EUA, trabalhamos com esses temas, e estamos tentando reunir pessoas para ajudar de fora. Minha questão é: como se revoltar e sobreviver em tempos em que tudo fica verdadeiramente ruim… se você puder dizer algumas palavras para nos ajudar a pensar sobre isso….
Donna Haraway:
Esta é uma questão para todos nós. Porque se olharmos ao redor do mundo agora, a chegada ao poder e a consolidação no poder de franco-fascistas e assassinos autoritários: Duterte, nas Filipinas, Bolsonaro,no Brasil, Trump, nos EUA, e a lista continua, quase todos eles também são eugenistas, misóginos, racistas, anti-trans, anti-queer, adotando políticas anti-imigração, adotando políticas anti-aborto…
O Brasil é, em alguns aspectos, um caso especial por causa da longa história de genocídio dos povos amazônicos e da contínua desapropriação por monocultura de vários tipos, as terríveis crises das cidades brasileiras,das terras do Brasil, águas, povos e corpos… Isso parte meu coração.
Eu acho que nós sobreviveremos nesses tempos por meio de um modo feroz de contar histórias, por meio de uma resistência feroz, da política, de um tipo de recusa a ir embora, do reconhecimento de que isso aconteceu antes,muitas vezes, e está acontecendo de novo, e de que nós simplesmente nos recusamos a ir embora. Que nós somos uns (com) os outros, que realmente podemos, e devemos apelar uns aos outros para termos força, o que inclui força e luto, cuidando das feridas de cada um. Eu, de certo modo, fui extraordinariamente ingênua, eu realmente não acreditava que fosse possível que as coisas desmoronassem de modo tão rápido, tão amplamente e de um jeito tão difícil, mas é a ingenuidade dos privilegiados, e eu acho que muitas pessoas neste planeta sabem de fato muito bem que manter a vitalidade uns com os outros está se tornando incrivelmente difícil, e de que se não continuarmos a cultivar a capacidade de rir e brincar uns com os outros, aí sim nós perderemos realmente. Insistir na criação de vitalidades, apesar dos novos tipos de opressão. Que não fomos derrotados, que não iremos embora. E contar histórias é uma das nossas capacidades mais preciosas.
ORIGINAL: Em conversa com Marilia Librandi
“It breaks my heart”
ML: I’m a scholar from Brazil, and we are facing now a very difficult moment, with the Presidential elections next week. Unfortunately, the candidate leading is anti-Indigenous, anti-Black,anti-women, anti-trans, gays, etc… It is a very horrible moment that we are living there. As scholars living here, we work with these topics, and we are trying to gather people and to help from outside. My question is: How to revolt and to survive in times when everything gets really bad,…. if you can say some words to help us think about that….
Donna Haraway:
“This is a question for all of us.Because If we look around the world right now, the coming to power and consolidation of power by frank fascists and authoritarian murderers: Duterte,in Philipines, Bolsonaro, in Brazil, Trump, in the US, and it goes on, almost all of whom also are eugenists, misogynists, racists, anti-trans, anti-queer,adopting anti-immigrant politics, adopting anti-abortion politics… Brazil is,in some ways, a special case because of the long history of the genocide ofAmazonian peoples, and the ongoing dispossession through mono cropping of various kinds, the extraordinary crises of Brazilian cities, Brazilian lands,waters, peoples and bodies…. It breaks my heart. I think we survive in these times by a kind of ferocious storytelling, a kind of ferocious resistance,politics, a kind of refusal to go away, a kind of recognition that this has happened before, many times, and it is happening again, and that we simply refuse to go away. That we are each other, that we really can, and do call on each other for strength, including strength and mourning, looking each other wounds. I, anyway, was extraordinarily naïve, I really didn’t believe it was possible for things to fall so fast, so far, so hard, but it was the naivité of the privileged, and I think many people in this planet know very well indeed that somehow making a vitality with each other is ongoing stunningly difficult,and that, unless we continue to foster the capacity to laugh and play with each other, we truly will lose. Insisting on the making of vitalities in spite of new kinds of oppression. That we are not thrown, we are not going away. And storytelling is one of our most precious capacities. “
October 21, 2018. Performance Space New York