Editorial

DR 3

Situar\Mover: corpo, território, política

Uma política que se inventa no limiar entre o situar e o mover. Desde algum lugar, alguma experiência, algum corpo, alguma dor. O desde onde somos, falamos, pensamos e agimos torna-se político. Mover.

A casa é o lugar de onde partimos, diz o psicanalista inglês. Ponto de partida e movimento de partir. Partir é mover-se em direção a outros, com outras. Outros corpos, outras dores, outros lugares, outras experiências. Fazer da casa a política; da política a casa.

Nada de universal aqui, nenhum desejo de pairar acima das diferenças, acima das nossas vidas, das nossas experiências mais singulares. Nada de estabelecer uma clivagem apressada. Dividir em dois, em duas classes.  Os limiares são palpáveis, mas ao mesmo tempo difíceis de identificar. Um terreno pantanoso, sobre o qual dançamos com dificuldade. Traçar o limiar já é o tema difícil da política.

Perguntas que pululam do lago escuro no brejo das ruas e das redes: Qual sujeito? Quem sujeita? Quem se sujeita?

Situar/Mover. Um dossiê que convida mulheres a explorar esse limiar e falar dessa dupla condição política, com ênfase nos trânsitos que envolvem corpos e territórios. Na entrevista da vez, Maria nos fala do feminismo como cuidado coletivo do cotidiano, que mobiliza o corpo da “política concreta” na rua. Concreta como a política dos corpos exibidos nos concursos de Miss indígena na Amazônia peruana, no limiar entre a adesão ao espetáculo e a abertura de um espaço de afirmação das jovens indígenas como sujeitos políticos. Mas também como a partida de Chantal que enuncia o corpo partido da mulher e, no mesmo movimento, anuncia seu “estranho nomadismo” (Carla).

Situar/Mover é poder afirmar nossas recusas no modo silencioso da Célia do conto de Camila. Porque o silêncio pode ser recusa, assim como o corpo na rua é protesto, corpo e silêncio são armas para enfrentar a violência, o abuso (Lori e Kamilla).

Poder, também, des(en)terrar silêncios e ruínas, escreve Cíntia, puxando os fios do sonho e fabulando um corpo que põe em movimento tempos e territórios. Pois terra e corpo são indissociáveis: chão de afetos e de saberes, são eles que movem, como mostram as mulheres nortemineiras (Cibelih). Terra e corpo movem e libertam, não para transformar-se em objetos de consumo, mas para provocar a criação. As mulheres Paumari e as Guarani e Kaiowá se deslocam, resistindo à violência do Estado, relata o texto da Oiara. O corpo político que des(en)terra, desarma criando. Como diz a Ana, é preciso encontrar nesse lago estados larvares de resistência, onde o corpo em sua plasticidade possa “habitar 2 ou n mundos”. Será possível fazer tudo isso sem precisar evocar as eruditas pirocas gregas antigas? Pergunta Tatiana na DR com Deleuze…

O tempo de exceção que nos assombra exige uma aposta, um movimento: : pisar no limiar, desfiando as tramas do patriarcado capitalista e tecendo outras, infinitas e incontroláveis..

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Edição 3