para Tamara Kamenszain
aquele caminhão que Barthes não viu
eu vejo
deixar a morte ir
deixar a mãe morrer
e viver
como morrer junto não pode mais ser a resposta ao como viver junto, Barthes
aquele caminhão que você não viu
aquele caminhão que agora vejo
e aceno
num lampejo
aquela aparição que deixou para trás
que deixou aqui as rodas pesadas negras e tristes
e aquela altura da morte
a quem aceno
já sem ar
aquelas pernas mancas e trôpegas
face às portas altas
e inalcançáveis
e o seu motor fazendo tremer todo o solo interior
e esse país de estradas velhas
e esburacadas
e essa caverna da infância
que agora
que aqui
secreta a passagem estreita
e o caminhão nela parado
aqui
o tempo todo
nessa passagem estreita
entre a vida
entra a vida
ali naquele caminhão
que você entreviu
Barthes
num tropeço
num aceno
num destroço
parado nessa passagem
no meio do peito
nessa estação oriental
e sem sopro
nessa supuração do tempo
e da morte do tempo
Barthes
como viver
era só essa a questão
nunca houve outra
nem nenhum complemento
apenas a passagem do caminhão pelo estreito do tempo